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De tudo isto restei eu

Em primeiro lugar, porque é o que eu sinto. Depois porque, hoje, é o dia mundial da Poesia e, finalmente, porque o início desta primavera fica assinalada pela morte deste poeta com 80 anos de vida dedicados aos poemas. O desabafo de Gastão Cruz é também o meu e o de muitas pessoas que fazem, olham, fotografam, sentem, pensam, dizem e escrevem em forma de Poesia: «Os poemas que fiz, só os fiz porque estava pedindo ao corpo aquela espécie de alma que somente a poesia pode dar-lhe.».

Cedo nos impõem uns pais, uma terra natal, uma língua, um sexo que rotula. Impõem-nos, desde muito cedo, um credo, um nome e umas quantas vestes que devemos envergar. Mas, à medida que crescemos e envelhecemos, é-nos dada a possibilidade e escolhemos, preferindo e detestando, amando e desprezando… e, como diz alguém, é saber lidar… Podemos resignar-nos à condição imposta ou esbracejar até ao último dia da nossa vida em prol do que mais desejamos, daquilo que nos alimenta a alma e que é muito mais importante do que aquilo que nos alimenta o corpo. E vai o tempo passando, o corpo envelhece, mas cresce a vontade e a alma transforma-nos, agiganta-nos, fortalece-nos e embeleza-nos. E, paulatina e suavemente, vamos percebendo a grandiosidade da simplicidade. Como esta chuva miúda que acompanha, neste momento preciso, esta minha escrita e este meu café quente. E aquelas frases compridas e elaboradas, tão eficazmente pontuadas dão lugar a apenas uma ou duas palavras ritmadas de paz e alegria que traduzem os pequenos gestos, os pequenos momentos, os batimentos, os pequenos toques e pequenos reparos, o ouvido atento, o olhar alerta e pouquíssimo pio.

É esta a capacidade dos poetas que eu admiro, o de dizerem muito em poucas palavras. E só se consegue isto porque se vive muito e com intensidade. Momentos magníficos e desastrosos. E da experiência se vai retirando o essencial e que é aquilo tão! Só aquilo que fica. O resumo fica pronto e tudo se resume, na maioria das vezes, a uma palavra ou a um assombroso silêncio que tudo faz entender e que nos enche por inteiro e nos conecta como pessoas. Não frágeis. Satisfeitas. Completas. Ninguém superior e ninguém inferior. Todos iguais, igualmente imperfeitos. De cada vez que um poema nos lê, sentimo-nos como igual ao outro que passou exatamente pelo mesmo que nós e conseguiu chegar a um único verso que nos é revelado como se fosse um soco, um murro no estômago, um alívio, um suspiro que nos lembra a nossa essência. Nada há de errado, está tudo certo. No sítio e no tempo certo.

Saber encarar a Poesia é ter a coragem de assumir a nossa sensibilidade. 

E prosseguir de sorriso nos lábios.


( o título foi fornecido pelo poeta Luís Rodrigues Lobo)



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