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para compreender os outros é preciso aprender os seus silêncios

A dada altura agarramo-nos à dor como se ela fosse um heroísmo e pomo-nos a expor as feridas como quem exibe condecorações. A nossa cabeça de pessoas crescidas é complicada. Descobrimos que há um prazer em listar achaques e traições e, se a minha chaga puder ser maior do que a tua, tanto melhor, isso reforça o meu estatuto.

A verdade é que, se não tomamos atenção, a desgraça íntima torna-se um escanzelado pódio onde nos blindamos. Penso que uma viragem se opera quando aceitamos perceber que todos somos vulneráveis. É fácil reproduzir um esquema dialético em que somos a vítima e o outro é o agressor e esquecer que também ele é atravessado pelo sofrimento.

De facto, não raro, a agressão é uma linguagem desviada para exprimir ou para dissimular a condição de vítima. Um necessário caminho é reconhecer que naqueles que nos ferem (ou feriram) há também bloqueios, mazelas e opacos novelos. Se não nos amaram, não foi necessariamente por um ato deliberado, mas por uma história porventura ainda mais sufocada do que a nossa. 

Não se trata de desculpabilização, mas de reconhecer que naquele que não me fez justiça ou não me devolveu a cordialidade que investi existe alguém provado pelo limite. E que a ferida agora acesa não se destina a mim especificamente: era um magma de violência à deriva, à beira de estalar. 

(José Tolentino Mendonça)





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