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Só isto!

Foi como alguém me disse. Há um ritual: levantar cedo, dar uma pequena volta, tomar um café na esplanada e ler um pouco. E ler é bom! Como alguém me disse e foi bom de ouvir. «Desse ritual faz parte ler um dos seus textos que são uma delícia.». Tendo em conta a pessoa que o disse, foi uma delícia ouvir isto. E, tendo em conta que continuo a ser uma otimista, acredito que faço bem a alguma gente que me lê e que a partilha genuína é sempre positiva. «Não pare de escrever!» – continuava, desabafando com um certo ar de pesar - (como se isso me fosse possível…). E logo pensei que esta coisa das redes sociais e blogues e outras coisas que tais têm o dom profundamente desconcertante de nos fazer crer na seguinte associação de ideias: não publicas - não fazes; não fazes - deixas de viver; portanto, deixas de existir. Possivelmente, estarás doente, quase às portas da morte. Talvez tenha acontecido um acidente ou estarás com depressão. O mais certo é imaginarem imediatamente que mudaste de país ou de casa. Talvez tenha havido uma discussão ou uma desgraça. Talvez tenha surgido um tsunami que te catapultou para o mar do esquecimento, do marasmo. 

Mas é como alguém disse. Todos sabemos que, por vezes, a vida vai torta, mas logo se endireita porque há um ritual: levantar cada vez mais cedo, fazer uma caminhada, há sempre uma esplanada e um tempinho para algo que nos dá prazer, como ler e escrever um pouco, por exemplo. Eu leio todos os dias um pouco. Eu escrevo todos os dias a lápis ou caneta. Às vezes, sinto necessidade de publicar o resultado deste pequeno e saboroso instante, mas, na maioria das vezes, ficam os escritos e os momentos em privado. Às vezes, escreve-se por escrever, outras vezes escreve-se com alma. É como os dias, umas vezes alegres, outras tristes. Umas vezes há inspiração, outras vezes, há um murmúrio, um sussurro apenas. Outras, um apagão, umas quantas folhas rasgadas. Em todo o caso, vive-se sempre porque é das experiências que surge a matéria do texto. 

E, num desses dias, em que estava, de forma saborosa, sentada a ler o que os outros escrevem, lembrei-me desta conversa com este alguém que me disse que tinha por ritual ler os meus textos. E pensei que gostaria de dizer, ao escritor daquele livro que andava a ler, exatamente o mesmo - «Gosto de ler os seus textos!». E, enquanto lia, os músculos da língua mexiam-se quase impercetivelmente. E pensava que, enquanto se lê, cria-se imagens (as dessa pessoa que se cruzam com as nossas). E há sempre uma ou outra palavra que chama por nós, nos acende ou nos petrifica. E em todo este processo há um caminho que vai sendo feito em prol do enriquecimento cerebral. E da leitura à escrita, no meu caso, vai um passo pequenino. Portanto, aquilo que tinha sido uma conversa vivida passava agora para o papel para que os outros a recordassem e a lessem. E (quem sabe!) servisse de inspiração para que alguém escrevesse ou começasse a ler mais um bocadinho. E quem diz ler, diz passear, criar um pequeno instante de prazer.

Ora, posto isto, talvez não seja má ideia esta a de comunicar consigo.

Comigo?!!

Sim, consigo mesmo.  Aquele que me disse, há uns dias, que havia um ritual que foi bom de ouvir. Se me está a ler neste momento, aí sentado nessa cadeira de esplanada, a tomar o seu café, sorria! Está a ser alvo de consideração neste texto. Tenho a dizer-lhe que gosto muito de sentir que dedica um minuto do seu dia para ler e para sentir o que lhe escrevo. E espero que aquilo que lê contribua tanto para a sua paz como contribui para a minha, quando escrevo. Só isto!


(fotografia de Edy Fertel)



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