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Assim Eu. Em pronome pessoal.

 Um dia. E atiramo-nos de forma melancólica para o passado. Um dia. E atiramo-nos de forma heróica para o futuro. 

Se é verdade que o incipit das histórias da carochinha tem o dom de nos iniciar em episódios fabulosos, também todos temos consciência que são a forma de nos bombardearem com verdadeiras lições de vida. E nós estamos irremediavelmente condenados a aprender. Portanto, aquele artigo indefinido que insistentemente acompanha aquele dia reforça o carácter intemporal dessas mensagens. Os episódios vão-se repetindo ao longo dos tempos e a aprendizagem, numa perspetiva de castigo, vai-se perpetuando, para consolo de alguns. 

Mas a expressão «Um dia» remete também para o futuro. O início de um projeto, a esperança do que não existe, mas que pode existir, o alimento da alma, a meta como pretexto para aguentarmos este dia, na esperança de alcançar aquele dia. Só um, um qualquer, pode ser o melhor de todos, o mais perfeito. E todos sabemos como estamos irremediavelmente condenados ao sonho. 

Mas do que vos queria falar era disto. Não «Um dia». Hoje. «O dia».

Férias. Verão. Cheiro a mar. Doce dia. Um tal desprendimento. Um andar à solta. O verdadeiro dia!

E dou comigo a sorrir e penso no alcance e na verdadeira essência do dia de julho que me deu claros sinais sobre o passado e o futuro. Qualquer coisa depois de muitos anos em apatia e sonho, hábil em amor e ternura. Um único dia. Gigante. Magnífico. Um único dia bastou para se revelar, como dizia a Agustina, como um «colar de flores bravias… com o perfume seco das coisas sem fim a que chamamos saudade». E desta vez, a saudade veio, mas não de forma triste ou melancólica e muito menos de forma heróica. Veio para mostrar que eu já tinha saudades de mim. Assim, Em pronome pessoal. Inteiro. Veio como algo que se aloja devagarinho, em conforto e alegria, com respeito pelo ser que procura morada. Veio sob a forma de surpresa. A surpresa de alguém que, finalmente, consegue lidar com aquilo que a afronta e ganha coragem para romper. Um dia em abismo. Não grande, não fundo. Um abismo que se tornou muito pequeno. Ridiculamente pequeno. E ali quietinha, usufruindo. Olhos de espanto perante aquele dia em revelação. Sem a demagogia do «Um dia» à espera de castigo nem do «Um dia» que nunca mais chega. Apenas «O dia».

Presente. 

Cruel.

Eficaz. 

Concreto. 

Avassalador. 

O dia.

Assim. Em artigo definido. 




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