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Continuo à espera...

Nunca seria assim que começaria esta pequena narrativa se tudo seguisse o seu percurso normal. 
Habitualmente, tudo decorre de uma ação passada. Os escritos partem sempre de algo que nos aconteceu ou vimos acontecer e é assim que tudo se compõe. Mas, desta vez, estou à espera que aconteça alguma coisa. E continuo à espera…há muito tempo que nada acontece. O caso parece complicadíssimo. Está tudo paralisado. Eu adoro sentir as minhas pernas dando largas passadas e absorver o movimento do que me rodeia. No entanto, a neve não cai, o sol não brilha, os pássaros não aparecem, a água não corre, não há vento, não há nuvens. As pessoas estão sentadas e abstraídas a mastigar. Atrever-me-ia mesmo a dizer, a ruminar. Os seus olhares vazios transformam tudo em coisas invisíveis. Não há qualquer motivação. E ninguém parece preocupado com tal situação. Mesmo assistindo a um chão que lhes foge debaixo dos pés. Se nada acontece e ninguém se mexe, qualquer tentativa mais eufórica da minha parte é ato odioso e inútil. E, então, limito-me a pensar. Pensar não faz barulho, não preciso de me mexer. Pensar não choca! 
Não sei se alguma vez partilhei este pormenor, mas há um pequenino caderno que me acompanha e no qual vou registando impressões. Quando se olha para o lado de fora e tudo mexe, começa-se a pensar e há quase sempre uma necessidade imediata de fixar em palavras os ditos pensamentos. Só que, agora, algo de estranho não acontece. De cada vez que surge um pensamento que se quer registado, as palavras saltam para o papel como se fosse um trampolim e escapam-se. Neste momento, só se consegue pensar naquilo que não é.  
É este o jogo, neste instante, lutar comigo própria por ter descoberto que as palavras nem sempre funcionam. Às vezes, as palavras tornam pouco claro as coisas que tentam dizer. É este o problema que se impõe – tentar arranjar coragem para enfrentar as palavras que não se conseguem ler.

Mónica Costa
(pintura de Picasso)




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