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olhos cor de avelã

Deixou-se sucumbir por um banho de mar, cobriu-se de ondas, nadou no seu jeito desajeitado de quem começa a aprender a andar. Cobriu-se de areia e mastigou a melhor sandes do mundo. Depois disto, a sua criança de cinquenta e dois anos adormeceu na praia.

Quando acordou, ali mesmo à sua frente, a maior surpresa do dia - um cenário digno de registo. Um pai enérgico, daqueles de encantar crianças no meio do areal, enterrava o filho na areia, a mãe falava ininterruptamente com ar de quem está inundada de família, ao seu lado a filhota mais nova praticava passos de bailarina em frente ao mar. Mas o mais encantador era a presença ao centro, imponente, da matriarca que sustem tudo isto, devidamente amparada por uma bola de pêlo ternurenta e desengonçada. Um cão de pêlo cinza escuro, animal velho com ares infantis, de longos bigodes amarelados e desgrenhados. Sentava-se molemente no areal e deixava-se transformar em almofada para aquela senhora rainha daquele pequeno reino que lhe pertencia. Mas era ele quem reinava. Aquele cão tinha algo de gato! Conhecia o seu lugar e respeitava o lugar do outro.  Tinha aquele ar de quem sabe perfeitamente que só faz o que lhe apetece. O cão estava virado para o mar e apreciava o ondular das águas e agitação da canalhada. E a mulher deitada no seu dorso sentia o respirar pausado e mole do seu amigo de quatro patas. Simplesmente mágico!

Num relance, e sem perceber a súbita mudança do alvo desta descrição que obrigou à mudança de posição do narrador, o cão ergue-se desajeitado e leve, atira com o relaxe da sua dona para o lado e vira-se para trás. Deita para mim os olhos mais surpreendentes e, no entanto, prováveis de adivinhar que naquela bola de pêlo tão escura só poderiam brilhar uns olhos tão claros cor de avelã.




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