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Para todos há pão, salvo para a maioria das pessoas.

A maioria das pessoas viaja na coberta dos navios na terceira classe dos comboios a pé pelas estradas… A maioria das pessoas. A maioria das pessoas começa a trabalhar aos oito anos casa aos vinte morre aos quarenta. A maioria das pessoas. Para todos há pão, salvo para a maioria das pessoas. arroz também açúcar também roupas também livros também Há para todos, salvo para a maioria das pessoas. Não há sombra na terra para a maioria das pessoas não há candeeiros nas ruas não há vidros nas janelas. Mas a maioria das pessoas tem a esperança. Não se pode viver sem esperança. Nâzim Hikmet (Poeta turco)
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ABC do verão

A rapariguinha do Norte Bebe uma seven-up fresquinha Com rodela de limão Deixa o trabalho de lado Estende-se ao comprido Fica de perna cruzada Gosta de tudo o que é água Há música no coração! Imagina ilhas paradisíacas Janta todos os dias na varanda Liga aos amigos e parentes Marca encontros na esplanada Nada na piscina do Clemente Ouve os grilos no prado Pinta a macaca! Que gosto! Que satisfação! Rega as plantas do jardim Seca os cabelos ao vento Traz chinelos nos pés Ui! Que maravilha! Vai de mala aviada e diz Xau! que se faz tarde, Zarpar é o caminho!

desde o primeiro segundo uma vida

quando deixar de escrever versos inocentes, inúteis, dos que nem aquecem nem arrefecem como estes que te escrevo neste momento quando deixar de falar dos ridículos barquinhos de pesca que atracam  ou das gaivotas que em bandos se agitam quando deixar de reparar nas pedrinhas e minhocas e noutros elementos fundamentais quando preferir os versos intelectuais contados dedo a dedo perfeitos e acentuados na sexta e na décima silabas, rigorosamente já estará o caso mal parado e, aí sim, peço toda a tua atenção  porque será caso para preocupações 

e de todos os que mais guardamos

e de todos os sítios, os mais bonitos são aqueles bons de ver aos pares dos que se colhem em flores à beira da estrada e se guardam sinais de nos termos sentado numa pedrinha quente e de pés molhados como quem tirou o dia só para estar e não pensar em  mais nada

silêncio concertado

É andar de mãos dadas sem dizer nada Respirando apenas e centrando a atenção naquele par de mãos  que se acharam e acharão  entrelaçadas 

Queda

Subiu como quem sobe para cuidar com um regador na mão - o dia a brilhar. No topo do prédio, um jardim suspenso, um céu de cimento, um silêncio imenso. Entre vasos e folhas, não viu o sinal A curva do acaso, o gesto fatal. Pisou – sem saber – numa casca traidora O chão fugiu-lhe e a vida. Caiu. Caiu como caem os segredos no escuro Como caem as certezas no abismo mais duro. O vento a gritar o nome que já foi… Mas não! No meio do nada como se uma parede surgisse Como se o próprio destino intercedesse e ouvisse Ali, um brilho, memórias sem som: a infância, os risos, o tempo que é bom. Marcado por um contador Mostrou-lhe a vida: o amor e a dor: o primeiro choro, os passos, os erros, os olhos da mãe, os gestos sinceros. Compreendeu! Não era só um fim. Era o espelho da estrada. O instante em que a alma é pesada! Sem luta. Sem raiva. Nem um grito. Sorria no vazio. Era bonito. Aceitou. ( mais um trabalho de escrita criativa a partir de um pequeno filme da autoria de Iara Oliveira, 9ºC)

um mar de roupa

Que tal começar por uma personagem? Quero que se chame Renato. E quero que ajude o seu pai Alfredo a arrumar uma mala. Mas não será uma mala qualquer. Quero uma mala onde as coisas entrem sozinhas e se dobrem por si só e onde os cintos se mexam como serpentes. Não quero que a mala seja de viagem, das paradisíacas. Quero algo mais triste e sério, do género partida em trabalho. Quero uma família que não seja normal. Quero algo mais criativo e diferente. Quero estranhos que morem numa cidade pequena com um carro pequeno e velho. Mas quero uma mala. Uma mala que simbolize um momento. De pai para filho. Quero uma despedida. Esta mala abrir-se-á em ferida. Uma ferida em estrada. Quero também um mar de roupa que simbolize a confusão. Quero um pai que falecerá e deixará a família triste. Um pai que só pensou em trabalho para dar uma vida melhor ao Renato. (texto de Neuza Ferreira, aluna de 9º ano, desafio de escrita criativa lançado a partir do pequeno vídeo que acompanha este texto)

e nem por isso deu descanso

o domingo é, em última instância, uma desgraça principalmente depois das seis da tarde porque há um silêncio por todo o lado e nem por isso deu descanso parece que soa a nada ou a tudo o que não se quis ou que não se aproveitou ou que não se fez o domingo é, por excelência, uma indefinição tem o peso do dever à espreita, mas chamam-lhe dia de folga parece o fim de uma primeira temporada e pode muito bem ser só isto

ouve como range

ouve como range a porta           que não se fecha exibe o trinco aldrabado           que ninguém mais ousa almeja ser reserva de chegada     e murmura assim entre dentes        como quem quer e não quer o que é ser dentro ou ser fora                já nem sabe