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o que a gente sente e não diz cresce dentro

força aquele trevo inquieto de três folhas para que sejam quatro que, sem pudor, fica com vontade de muito mais é quase copo cheio em iminente transbordar é saudade desmedida do querer ir nada temes, nada deves a não ser o desastre das tuas próprias pernas (o título é de Paulo Leminski)
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alegro-me

seria um alegro-me no outro  pois a alegria entendida como um presente positivo  não requer sacrifício. Gonçalo M. Tavares

2: de quem escreve para quem lê

Se te parece ridícula esta minha tendência para a escrita, não leias. É muito simples. Pararás aqui mesmo neste ponto que se segue. Porque à terceira linha ou quarta só chega quem quer. E ao fim do texto só mesmo quem pode. Escrever é um batimento, um seguir atento, uns minutos de paz, de mesa redonda connosco próprios, uma arrumação. É uma esplanada como esta de onde escrevo mesmo agora, um cheiro a maresia, um recolher obrigatório. Não é negócio, é ócio.  Já reparaste alguma vez na sombra que se projeta na parede branca de uma tarde de verão? Já sentiste, sem protestar, a chuva miudinha que resolveu aparecer? Já atiraste uma semente à terra e esperaste vê-la aparecer por ali acima como quem se envaidece por estar a crescer?  Já evitaste pisar uma joaninha que se atravessa no teu caminho? Já sentiste alguma vez, a sério a minha mão na tua? Tudo isto eu vivo para o escrever e há que escrever tudo isto para que alguns (os mais distraídos principalmente) não se sintam ridículos ...

il giorno in cui uscì il sole

e neste dia nascia o dia tão diferente e eu crescia tão alto corpo rendido pelo fulgor da manhã e neste dia surgia o sol tão diferente tão perto e tanta luz e ía nas nuvens bem no meio delas contigo

Em todos os casos, vai crescendo o enigma.

Vou sentada adivinhando as histórias que cada um encerrará dentro do seu peito, do que os lábios nunca disseram, mas que os olhos deixam escapar. Um mínimo que se exalta por vezes faz-nos exaltar o mínimo em nós que reparamos nele. E agora mesmo me presto eu a este ensaio de adivinhação para o outro que se fixou em mim. E quase que adivinho que vai sentado, procurando também nos meus olhos o que deixo escapar. É esta a humanidade – a capacidade de nos olharmos uns aos outros, cada um com a luz que desenha a sua sombra. Em todos os casos, vai crescendo o enigma. 

prolongo-me

chego ao mar não em morada mas em possibilidade de começo peço licença ao entrar. entro devagar. gosto de hesitar primeiro preparo-me no átrio e respiro prolongo-me como quem ainda não descobriu

É um início perene, nunca uma chegada seja ao que for.

Somos um todo, não há volta a dar. Por muito que digam que a humanidade está em crise e que tendemos para o isolamento, há uma ainda força gigantesca e misteriosa que nos compele uns para os outros. É essa força que se sente quando se está no meio da multidão. Quando o povo se junta em torno da mesma música, da mesma palavra, do mesmo protesto. Uma onda de corações que se unem. E como arrepia esse esforço comum! Uma espécie de reunião de nomes no mesmo sítio à mesma hora. Um uníssono respirar, a morte certa de todos nós aliviada por um momento de paz ou conforto ou consciência de que afinal somos todos feitos do mesmo. É na linguagem, seja ela feita de palavras, sons, gestos, que a experiência se torna concreta e percebemos que há um mesmo viver que nos une. Os mesmos problemas e alegrias, ansiedades e desejos. Uma comunicação consequente. De repente, naquele instante, as pessoas chamadas ao mesmo lugar vivem a mesma linguagem, não a intelectualizada, mas a linguagem na sua função comu...

dançamos juntos

  o vento aceito das praias que piso esse insubordinado que admiro que primeiro surge suave e enleia depois mais afoito fustiga para ele é jogo que sabe convida-me e às areias que revolve e dançamos juntos um baile que pouco dura mas que alça e insiste e não corrompe

Para todos há pão, salvo para a maioria das pessoas.

A maioria das pessoas viaja na coberta dos navios na terceira classe dos comboios a pé pelas estradas… A maioria das pessoas. A maioria das pessoas começa a trabalhar aos oito anos casa aos vinte morre aos quarenta. A maioria das pessoas. Para todos há pão, salvo para a maioria das pessoas. arroz também açúcar também roupas também livros também Há para todos, salvo para a maioria das pessoas. Não há sombra na terra para a maioria das pessoas não há candeeiros nas ruas não há vidros nas janelas. Mas a maioria das pessoas tem a esperança. Não se pode viver sem esperança. Nâzim Hikmet (Poeta turco)