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36º espanto

É preciso algum tempo para nos habituarmos. 

É preciso que conheças os caminhos que te levam à próxima estação. É preciso que saibas interpretar os horários dos comboios com todos os seus transbordos. É importante saber distinguir as estações dos apeadeiros. É importante poder escolher a melhor hora que te permita uma viagem em assento tranquilo para que possas saborear a música que se desprende do deslizar da carruagem nos carris. É preciso perceber o abrir e fechar de portas e saber ouvir a voz que anuncia a próxima paragem. É preciso aprenderes a sair no sítio certo, mesmo quando as janelas do comboio tateiam a escuridão. 

Sei que é preciso tempo para nos habituarmos. 

O que me espanta é que, ao fim de trinta e cinco anos de viagens de comboio, consiga ainda encarar o espanto. Preservar a eterna novidade da partida e a ansiedade da chegada. Manter a esperança de desvendar qualquer coisa de brilhante no meio de tanta gente que se arrasta. Ter a certeza de que não há duas viagens iguais. Ter a certeza de que, por cada ano que passa, a vida nos exige novas viagens que nos vão desvendando a estranheza e a beleza. A eterna imposição das perguntas sem resposta.







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