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Enquanto não houver paz, não te deixes em paz.

A natureza estrebucha por todos os lados. Exige aquilo que lhe pertence por direito e que lhe é negado. Demonstra por A mais B que não está em paz e manifesta-se de qualquer forma. Num ribombar angustiante, em ondas de exagero, cuspindo plástico, treme a terra e desfaz, faz surgir calor no frio e frio no calor. Nós. Fazemos de conta. E por muito que se renove a imagem do cardápio, andam as ementas tortas. Não sabe a nada o pêssego, está sempre podre a laranja, não há sequer tomate que saiba a tomate nem a hortaliça é tenra. O que nos vale é o abacate. Nós fazemos de conta que gostamos. Paga- -se gourmet e nem se bufa. Continuamos pretos e brancos, magros e gordos, lindos e feios, ricos e pobres. E somos iguais. Cada um, safando-se como pode. Um aperta, outro afrouxa. Um tem sorte, outro azar. Vence sempre o mais forte ou quem o aparenta. E ninguém ainda descobriu se a causa de tudo isto é mau olhado, castigo dos deuses, a implacável lei do retorno ou é tudo uma questão de incompatibilidades astrológicas. O certo é que não se anda em paz. Há especialistas na matéria de tudo e ninguém percebe nada. Os livros continuam por aí ao abandono. Nuns escreve-se bem, noutros nem por isso. Há quem continue a dar valentes pontapés e cacetadas na gramática. Sem piedade. Dizem que faz bem ler, mas poucos leem. E quem lê assusta quem não lê. Dizem que faz bem falar, mas não se falam. Dizem que faz bem ouvir, mas não ouvem. Dizem que é preciso pensar, mas calam os pensadores. Não há paciência. Dizem que faz bem, mas não há quem. O papel é um problema.  A palavra é delicada. A tecnologia é a solução e vence-nos pelo cansaço. A guerra continua e não há forma de a deter. O dinheiro é tentáculo. 

Enquanto não houver paz, não te deixes em paz.

( produção artística de Marta Nunes)






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