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pintando em tom amarelo e com a força das árvores

Ora repara! Anda gente lá atrás azafamada, não sorrindo, aguentando as pesadas gotas de chuva de todos os dias. 
Mas…repara bem! E há lá um que escapa ao pesado das gotas e está dizendo:
– Quantas vezes já repeti para deixares andar…? Não penses em demasia, deixa fluir! 
- És louco e passas a vida a sorrir! E olha que é no sorriso dos loucos que mora o perigo! – responde um dos que todos os dias sente o peso da chuva.
-No sorriso dos loucos mora o Sol e os seus raios são quentes e densos o suficiente para transferir calor do centro para fora. É o que vai acontecer de imediato!
E a gente lá atrás azafamada vê surgir um manto amarelo, raios em expansão! A gente atónita ergue os pescoços para perceber o que está a acontecer. 
Não consegue, dada a intensidade do clarão, enxergar mais nada que não seja o amarelo que se estende à sua frente. Perde a realidade o seu sentido e vivem apenas e agora desta força única do Sol. Tudo se abre a esta nova onda: as ruas, os passeios, as casas e todas as variadas esquinas sofrem com esta inundação. É explosão de sol que faz corar os rostos quentes e as frontes suam em bica numa excitação desenfreada. Pingos vermelhos salpicam os dedos, os corpos movem-se freneticamente e ninguém pensa. 
- Deixa fluir! Dança e baloiça ao som das leves gotas de chuva que regam as plantas. Que são puras! Gotas e sangue em amarelo sol. – grita o louco.
São pernas e braços em movimento que se misturam com troncos e ramos, dançando ao som das grossas pingas de chuva que se misturam, por sua vez, com a luz quente do sol. Crescem uma e duas árvores em êxtase. 
Sentam-se satisfeitas as gentes, à sombra destas árvores e queimam as palavras árduas que ainda subsistem em pedaços de sufoco. Livram-se de discursos mal elaborados e rasgam folhas e folhas que, antes de serem de papel, eram folhas livres das árvores. Árvores cuja única missão é fazer permanecer estas gentes em silêncio demorado e pacífico. Disparam-se jatos em todas as direções. Instala-se uma nova onda. Onda branca e pura e pacífica pela qual se deixam invadir. E respiram de baixo para cima e deixam-se inchar.
Ora repara! Já não anda gente lá atrás azafamada. Sorriem, saboreando as leves gotas de chuva de todos os dias. E tudo graças à mão daquele que traça, de forma espontânea, o sorriso louco dos que escapam a vidas azafamadas e às gotas pesadas da chuva de todos os dias, pintando em tom amarelo e com a força das árvores.

Mónica Costa

(a produção artística que acompanha este texto é da autoria de Lurdes Pereira)




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