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Adeus!

Se fossemos seres atentos, até poderíamos ouvir o suspiro, o suspirar dos segredos inconfessáveis, a voz dos viciados em sonhos e coisas temperamentais, ou seja, coisas perigosas que nos descompõem, às vezes.
E era, assim, que todos os dias, fizesse chuva ou fizesse sol, ali estava de olho nas gentes que passavam pelos passeios carregados de pó e punha-se quente a magicar. E de tanto magicar, cansava-se ao fim de cada dia e parava, por vezes, e por momentos, num descanso ilusório de espinha curvada. Ele esteve sempre ali e sabia muito bem quem ela era, pois já a vira umas quantas vezes e outras tantas já a sentira muito de perto. Todas as quartas feiras, ela passava por ali, bem perto, descia e subia a calçada sem levantar os olhos dos pés, caminho calado e absorto, próprio de quem anda ensimesmada. Também sabia muito bem quem ele era. Sempre soube! Eles eram aqueles que, por vezes, apareciam de soslaio e se olhavam como se dissessem «Invado a tua alma e faço por possuí-la de ideias de tal modo que nunca te desvies de mim!». Seria feitiço de alguém conseguir instrui-los de sonhos assim secretamente. E foi assim que ele, numa noite, desceu corajosamente a calçada de chave e aloquete na mão e se prendeu. Era novidade e esforço, era o rosto lavado das rotinas, a sua maneira de lhe pedir carinho e cuidado. Mas ela tão longe de se prender! Andavam ambos tão aflitos de calores, cabeças pesadas e andares trôpegos, mas quase a voar. E, naquele entretanto, ali ficou preso aquele objeto distraído, mas poderoso. De quando em vez, lá passava ela e sussurrava «Foge de mim enquanto podes, dá quantos passos as tuas pernas te permitem, para bem longe. Olha que eu sou feita de desilusões que me atiram ao chão todos os dias. Aprendi a andar sozinha. Nunca venhas para tão perto e nunca para dentro. Eu sou das angústias breves que vêem beleza onde não há melodias. Os meus gostos foram sendo servidos lentamente em dúvidas e nunca saberás se esta noite foi tua. O teu caso é especial demais para acabar em desgraça.». Ela sorria com ternura, tinha sempre coisas preparadas, nem tinha tempo para si e vinha e fugia. Nunca foram perfeitos nem estranhos. Desconhecimento puro? Ilusão? Nem valia a pena perguntar, pois nunca se encontraria uma resposta adequada. Era a dúvida que ali ficava a fustigar quem passava. E ali ficara a prova.
Regressada a beleza inicial, um dia, um único dia, seguiram apaixonados com a força de principiantes, nuvens nos ombros e, no entanto, as mãos cheias de reticências. Até vi que ele lhe pôs a mão por cima para mostrar a todos que era sua e ela brilhou, uma única vez, por dentro. Nunca se sentira tão especial.
Sou simples estátua pensante. Acordo de surpresa todos os dias sem boca que os denuncie, com este segredo na palma da mão, sem pernas para percurso longo e mantenho postura séria durante todo o dia.
Mas sorrirei sempre que a lua brilhar. 

Mónica Costa



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