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A mostrar mensagens de janeiro, 2025

um pomar feito de ti, quem diria

 tu também não me sais dos dedos agarras-te à laranja e formas um pomar um pomar feito de ti, quem diria pensava que só servias para me lembrares da pequenez das minhas palavras um pomar, Tu. deleitemo-nos então em volta dos vários pomares de Tus que por aí existem (excerto de um poema de Cláudia R. Sampaio)

uma espécie de oração

a simplicidade de ficarmos com o instante das madrugadas o espanto de nos encantarmos com a música e seus malmequeres a paz de nos plantarmos de pés na terra e deixarmo-nos semente  e que por nós adentro rebente em flor a procura de saborearmos a beleza da certeza da derrota que nos instiga continuamente a recomeçar porque ainda há mais saída que cansaço

ninguém é sem cadastro

Na rua nada tem medida a não ser a que lhe quiseres dar.  E essa é a felicidade.  E há coisas que só têm a importância que lhe quiseres atribuir.  E essa é a liberdade.  Seja de dia ou de noite, ao princípio da manhã ou ao fim da tarde, é só saber esperar a luz certa que te acerte o olhar.  E essa é a felicidade.  Não as coisas interessantes por si só,  mas o interesse que nelas vês e que te torna livre de pensar nelas da maneira que quiseres e sem direito a manual de instruções.  É essa a liberdade.

não se apaguem as velas

preciso de um barco a roçar-me os olhos todas as manhãs para que não se apaguem as velas (Ângela Marques)

um e outro inseparáveis

O bem e o mal, pouco dele sabiam, porém tudo: quando o mal triunfa, o bem oculta-se; quando o bem se manifesta, o mal fica à espreita. Um e outro invencíveis, inseparáveis de uma vez para sempre. E por isso, na alegria – a angústia misturada, no desespero – sempre uma esperança calada. (Wislawa Szymborska)

grãos de areia

Há dias assim –  assim aéreos em que sei lá… se deve respirar livremente só porque sim, livre de indícios e de marcas  correndo a sorte de nos encontrarmos de contentes

o suficiente

Eu e a minha forma de viver complementamo-nos o suficiente para parecermos vistas de longe um todo (Ekaterina Yossifova)

vão-se os dedos e ficam os anéis

Hoje, durante a minha caminhada, dei de caras com esta casa.  Impôs-se-me ao ponto de me obrigar a suster a passada. Talvez tenha sido, a seu tempo, uma das casas mais bem compostas do sítio. Uma casa em pedra, rés-do-chão, primeiro andar. Bem localizada, muito perto do centro da cidade. Bom terreno e outrora cheia de gente nela que a enchia de esperanças. Se tivesse ficado apenas por uma olhadela superficial, teria concluído tratar-se de uma banal casa em ruínas. Só fachada. Nada de especial.  No entanto, desacelerei para observar. Topei uma ainda janela entreaberta, meia portada verde sulfato que permitiu enxergar o interior. Afinal, não era só fachada. Aquela casa era principalmente interior. Não a preto e branco, mas a cores primárias e secundárias em perfeita comunhão. Um quadro magnífico de estragos que o tempo impõe. Um interior húmido, sombrio e rico em destroços. A gente daquela casa desertara, morrera. Tudo o que ficou foi sendo alvo da ação implacável do tempo....

essa gente era uma espécie de solução

a partir do momento em que se predispõem a abrir cova para colocar semente uma a uma pacientemente devem esperar que cresça a vontade de ver nascer e principalmente que se alimentem para que renasça  a vontade de tornarem a semear (o título é de Konstantinos Kaváfis)

Quem não?

Não necessariamente acompanhados. Não propriamente sozinhos. Não completamente felizes. Não exatamente belos ou elegantes ou tão cheios de sorte na vida. Nunca um só disparo. Não num sítio qualquer. Não sem intenção. Preferencialmente no ângulo certo e com a iluminação adequada. Quase sempre na pose estudada. Imprescindível expressão facial: lábios franzidos e sobrancelha erguida, mãos nos bolsos ou na cintura ou nos cabelos. Aconselhável coluna alongada, postura ereta, confiante. Olhando para cima. Olhando para baixo. Olhando para o lado. Incrivelmente descontraídos perante o disparador remoto. Cinco. Quatro. Três. Dois. Um segundo. E guarda. E repara. E escolhe. E edita. E filtra. Aqui e agora. Selfie destes tempos. (foto retirada de   https://www.eutotal.com/poses-para-selfie/ )  

no tempo do outro senhor

Iam todos juntos para o tal retrato. Era assim a única pose do ano. Ele, guardião hirto e sério. Ela, ordeiramente cheia de crianças à volta, umas sentadas no seu colo, outras de pé, os mais velhos e rapazes já com direito à verticalidade. Ela, ar grave de quem se habituara a falar baixo e a pedir pouco. Tudo a preto e branco. A roupa tão preta, as faces e mãos tão brancas naquele cenário tão sombrio onde ninguém sorria, ninguém dava ares da sua graça. Era chapa batida. Todos iguais e para a posteridade. Todos iguais, apagados de brilho e de vida. Nunca se chegava a entender se era um retrato belo ou útil. E, depois de todo o ensaio fotográfico, seria o centro de uma qualquer sala de jantar, mesmo por cima da cristaleira. Entre os ricos, o retrato abrilhantaria uma sala maior, entre os pobres não passaria de um pequeno retrato num cubículo abençoado pela sagrada família.  Agora, quando nos detemos em tal retrato e decidimos retirar-lhe o vidro já baço e desencaixilhá-lo da apodreci...

só para que contemplemos o mar

encantam-me os de passo lento ou trôpegos ou distraídos os que caminham como quem dança os que se equilibram os que se equiparam a bichos luminosos os que vão, mas regressam só para que contemplemos o mar

se não sais de ti, não chegas a saber quem és

 Ela  à porta das decisões, agarrou o balde e a vassoura  e foi para que se pudesse aproximar de si Ele  à porta das petições, arranjou coragem sobraram-lhe pequenos gestos e algumas sombras e foi Valha-lhes ao menos a intenção de ir  mesmo não indo (na senda da Ilha Desconhecida ao jeito de Saramago)