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Mensagens

um gesto de espera do outro lado

O cão é o primeiro a sentir-te chegar mal pisas  o asfalto molhado  em direção à porta  há um ténue estalar um gesto de espera do outro lado há de concretizar-se esse encontro  tu pingado da chuva do fora que arrefece mas ele contorcendo-se  esbanjando-se em alegria genuína que enternece

e é remédio santo não afligir a aflição

deu-me para pôr a mão em vários sítios que não o peito e sentir o coração muito para além deste corpo não quis dirigir-me ao sítio certo porque enfim já sei que anda por perto a intenção mas não a ação e é remédio santo não afligir a aflição

que insiste em nós e avança alvo puro

recomeço como quem reaprendeu a nadar de bóias redondas feita corpo pequenino que cedeu e se deixa enlear pelas ondas recomeço como quem sabe de cor  palavras tidas como incertas mas faz delas uma dança e atira lá bem para trás o pior  recomeça-se sempre que se quiser não dar por terminada a criança que insiste em nós e avança alvo puro

custa perceber como és tão doce!

doce demais para mim que amas as manhãs e eu as noites tu um passarinho triste e eu um corvo que adoras as guerras e eu a paz tu que te divides por muitos e eu tão um-só que te ficas pelas metades e eu tão tudo não queiras saber de mim porque não sou flor que se cheire…

Salvámo-nos por inquietação móvel

Este texto poderia ter sido um poema. Não é. E ter começado pelas escadas de madeira. Teria sido um início inseguro pelo acesso duvidoso ao primeiro verso que faria ranger toda a estrutura final. Assim, pé ante pé e não como quem conta sílabas, avancemos devagar e deixemo-nos levar pela prosa. Poderia, neste ponto, ter-se dado lugar a uma descrição exaustiva do corrimão e da manta elaboradamente bordada que o cobria. Ou da mobília de cores que contrastava com as máscaras de ferro que cobriam as paredes. Ou dos retratos antigos e dos candeeiros reciclados cobertos de espigas de milho rei. Mas deixemo-nos de pormenores. Já cá estou no patamar superior e não foi preciso muito enredo para aqui chegar. Só vos digo que esta história cheira a um típico bar de inverno a fazer lembrar os sombrios e misteriosos pubs londrinos. Aqui há lugar para um, mais a companhia de um livro e de uma bebida quente. Há lugar para dois, bem juntinhos à lareira, a tilintar cheers to love . Há lugar para despeja...

no reino

quase nefelibata: não vivo, aprecio apenas

contamos os pingos que escorriam da calha

ontem, prolongamo-nos demoramo-nos à chuva contamos os pingos que escorriam da calha foram exatamente 1342 e nós dois sentados e, sem contar,  a braços, enrolados d e m o r a n d o  na chuva prolongados

sol de outono

O sol de outono não queima, mas recorda labaredas.