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A mostrar mensagens de março, 2019

desapareci

como era urgente, cheguei cedo, mas tão cedo muito antes da hora marcada ainda a rua estava deserta e as janelas estavam fechadas o dia prometia, mas nem calor nem nada de nada e, como dizia, esta urgência instalada! daquele tipo de urgência sem cheiro a hospital ou doença uma espécie de urgência que torna o dia mais secreto e íntimo e que nos faz lembrar que com muito pouco se constrói a confiança e havia uma janela fechada onde tu ainda dormias e eu, ali, especado de forma urgente, e em ti a esperança de repente, e por magia, aparecias! e de lá para cá, a minha vida tem sido estes instantes em que apareces e desapareces, caminhando ao meu lado cadência de onda tombando em areal branco branco a estender-se pelo azul do horizonte o nosso olhar nos pontinhos luminosos fixado e aquela água tão azul e o silêncio aquele céu tão sereno a alegrar-nos cada manhã um sol quente em nossos braços de um e de outro os lábios que não medem a distância Mónica Costa (pintura de P...

Medo

Queres falar do medo?!  Andamos por séculos e séculos errando e por medo encaixamo-nos em certezas idiotas Foram-nos convencendo que talvez se nos deixássemos ficar quietinhos no nosso canto talvez pudéssemos ter acesso a vidas de paz talvez Todos nos olhamos desgraçados na nossa bondade E somos todos tão boas pessoas que até dói! Vamos vivendo a medo e rimando rimas maioritariamente emparelhadas, às vezes em esquemas cruzados mas sempre em rima. Não há lugar para versos soltos. E, segurando o medo, armadilhamo-nos a tremer Pela certeza do pó Capa dura canto negro catana exímia voz trémula E seguimos viagem em círculos viciosos Lutamos contra as paredes da casa as curvas da estrada o rio que desce as escadas íngremes o muro que se impõe a raiva que guardamos nos sacos em iminente e medrosa reação Mas um dia um golpe de asa um sopro um movimento brusco nos abala… Mónica Costa (gravura de Edward Hopper)

?!...

Ficou a cozinha arrumada e fui passear a tarde E em vez do cão na trela, atrelei meus pensamentos Mal bateu a porta de casa e encarando o sol de frente Dei comigo a lembrar-me de quem com uma flor me acende as narinas e com uma nuvem me enche por dentro e, então, olhava para cima e eras azul olhava o chão que pisava e eras verde mirava as águas do rio e eras de prata olhava as folhas das árvores e eras carmim. Ó deuses da natureza, que me vedes O problema está nos meus olhos ou naquela que me sabe a cor? Mónica Costa
a minha vida é verdadeira paleta harmonia de azuis que me alimentam e confusão de cinzas que me atormentam por isso os meus poemas são por isso a poesia não é pincel que se encomende é a arte da vida que se impõe, desenhando-se boa e má em traços finos e delicados, em traços rudes e pesados por isso viver não é andar na monotonia dos passos medidos é conseguir pintar com olhos de fogo é caminhar silenciosamente é sentir um peso no lombo é transformar em leveza o vento que nos derruba Mónica Costa (fratal de Maurício Macondes)

Cuidadooooo... plof!

Estar assim desprendida numa rua qualquer faz com que se dirija o olhar para os mais banais pormenores.  Chuva miudinha em manhã de Carnaval. E ía a gente sem guarda - chuva na esperança da chuva passar. Havia foliões à espera da folia que nunca mais chegava. E era vê-los de collants coloridos e manga cava, óculos rosa choque e cabeleiras de espanto, caras em Ó de quem tirou dia de folga para se mascarar das máscaras de todos os dias.  E eu que estou assim desprendida e sem collants coloridos, arrisco-me a ganhar imunidade diplomática. E eis que atinjo uma menininha vestida de princesa. Um simples vestido tão fino para tão chato dia de frio. A miúda, pensei, deve estar a congelar! Mas, em vez de congelamento, o processo a que assisti foi muito mais espetacular! A criança começa a correr e evapora-se por entre as gotas finas da chuva. Plof! Um banal pormenor! Desaparece que nem feitiço de fada madrinha ou bruxa maléfica. Fica apenas no chão uma coroa em tons prateados e um...